terça-feira, 24 de julho de 2012

Teoria geral de Carl Rogers

Introdução

A psicologia de Carl Rogers é uma teoria que aborda o homem como pessoa. A tendência comum em nossa época, tanto nas atividades em geral como nas várias correntes das ciências humanas, é reificar, objetificar o homem. Seja nos vários aspectos da cultura de massa e industrializada da nossa sociedade, seja nas explicações causais dos fenômenos humanos, seja, ainda, mais especificamente, nas teorias psicológicas mais diversas - como a psicanálise, que descreve o homem a partir de impulsos inconscientes, ou o behaviorismo, que aborda o homem em seu caráter animal, a partir do esquema "estímulo-resposta" -, impera a tentativa de tomar o homem de um ponto de vista externo a ele mesmo. Carecemos, portanto, de um discurso que tematize o homem a partir de si mesmo. A abordagem rogeriana do homem como pessoa pretende realizar essa função. Mas em que consiste essa abordagem?
Trata-se, antes de mais nada, de assumir a liberdade humana - a possibilidade de tomar decisões e ser responsável por elas. Rogers não nega a existência de toda a sorte de forças exteriores que constringem o homem, mas vê que, em todas as situações nas quais ele se encontra, sempre há, por menor que seja, um âmbito de decisão. Na decisão, é dada a oportunidade ao homem, desde si mesmo, a partir de uma força interior inerente a cada um de nós, de tornar-se, para além dessa liberdade de decidir, o que se é. Desse modo, é tomada como pressuposto fundamental a liberdade de escolher, enraizada nessa força interior que nos permite tomar decisões para crescermos e termos uma vida realizada. Por outro lado, à proporção que nos realizamos, tornamo-nos mais aptos a escolher e tomar decisões livres de coerções exteriores.
Assim, a psicoterapia elaborada por Carl Rogers seguirá a tendência de olhar o homem como pessoa e, por isso, centrará seus esforços no cliente. Assim, tal tipo de terapia dependerá menos da aquisição de conhecimentos do terapeuta e mais da relação do terapeuta com o cliente e, sobretudo, do cliente consigo mesmo.
Por isso, é de fundamental importância uma posição de Rogers. Ele não vê o ser humano como um ser autodestrutivo, selvagem, ou dono de pura energia sexual (libido), características que, só graças a coerções externas - da moralidade, do controle por estímulos e respostas -, poderiam ser controladas e, assim, trazer o homem à civilidade. Rogers também discorda da opinião, importada da biologia, de muitos psicólogos, que afirmam que o homem, como muitos outros seres vivos, tenderia a stasis, isto é, a um estado de equilíbrio, de satisfação de suas necessidades básicas a todo custo. Ao contrário, o que define homem, tanto em termos gerais como individualmente, é, muito mais, o enriquecimento de suas experiências, buscando cada vez mais se complexificar, de modo a satisfazer a sua necessidade fundamental de autorrealização. Essa necessidade é a sua motivação principal, e é isso que o terapeuta fará que seja revelado para o cliente.
Por meio das várias experiências, o homem vai se transformando em pessoa e adquirindo estímulos. Por isso, a cognição não é entendida atomisticamente, mas como um todo. Em outras palavras, o sujeito conhece a realidade por intermédio de seu estímulo, da sua resposta, do seu sentimento diante da coisa. Em última análise, o conhecimento em geral se articulará em torno do eu, que ganha esse caráter de totalidade uma vez que visa a uma autorrealização.
Por isso, Rogers afirma também que toda percepção é dotada de significado. Por mais que seja uma percepção singular, ela se articula na percepção total do eu que a pessoa tem de si mesma.
Rogers reformula a distinção freudiana entre consciente e inconsciente em termos de percepção. A percepção que o homem tem da realidade apresenta gradações segundo um continuum. Há coisas que estão no foco da nossa atenção, e notamos a figura delas. Há coisas que estão em segundo plano, no fundo da coisa principal. E há, ainda, aquelas que estão o mais longe possível da nossa atenção por acharmos que a percepção delas desestabilizaria nossa vida.
É de extrema importância, portanto, a percepção que temos de nós mesmos, a percepção do nosso eu. Diferentemente de um mera psicologia introspectiva, a referência fundamental ao eu é a referência a todas as percepções: percepções de seu organismo, de suas experiências, do modo como suas percepções se interrelacionam e se relacionam com objetos e com o seu mundo exterior.
Assim, todas as experiências por que anseia o homem para sua autorrealização têm como centro o eu. Toda motivação de autorrealização é motivação para que o eu se realize. Contudo, nesse afã de autorrealização, a imagem que a pessoa tem do seu eu é distinta do eu real. A pessoa tem um eu ideal que não é o mesmo que o eu real. As discrepâncias podem assumir as mais variadas formas, mas, em geral, para tomar um exemplo da psicanálise, podemos pensar na pessoa que, em sua autoimagem, não seja possuidora de desejos sexuais de alguns tipos, mas, na realidade, os tenha. O eu ligado à autoimagem é chamado de ego ideal, ao passo que o ego real é aquele que a pessoa realmente é e o experiencia. Quando há uma concordância entre ego ideal e ego real, há um estado de congruência, mas, quando há uma discrepância entre ego ideal e ego real, há um estado de incongruência.
A discrepância entre ego ideal e ego real pode gerar os mais diversos comportamentos nocivos à própria pessoa. Para dar cabo dela, é preciso que se mostre o verdadeiro e real ego àquele que é dono de um ego ideal. Só assim pode a pessoa lidar com seus erros ou problemas, ou, se for caso, suas meras circunstâncias de modo a resolvê-las e dar um passo em direção a sua autorrealização.
Não esclarecemos até aqui o conceito de autorrealização. Dissemos, por ora, que o homem tende à autorrealização e que o faz acrescentando sempre novas vivências e experiências. É preciso acrescentar também que a autorrealização não é nenhum estado - não há um momento autorrealizado, mas apenas um processo, uma dinâmica de autorrealização. Esse processo é também um processo de tornar-se livre, isto é, à medida que a pessoa usufrui de sua liberdade de escolha no sentido de decidir por uma vida plena, mais plenamente também ela pode tomar rumo de sua vida, de modo a escolher as novas decisões que aparecerão de modo ainda mais livre. De modo geral, no desenrolar desse desenvolvimento, há a concretização de uma universalidade por trás de cada decisão tomada, isto é, as escolhas deixam de se fragmentar e passam a concorrer para um mesmo fim de uma vida plena.
Esse processo é também o processo de aceitação cada vez maior de experiências e de uma menor atitude defensiva. Se a pessoa aceita o seu ego real e se desenvolve, ela passa a ter menos medo de acontecimentos que venham a desmascarar o seu ego ideal e, portanto, a se defender menos dos outros. Ela se sente, em suas experiências, mais capaz de agir segundo o modo como seu ego ideal está traçado. Há, assim, claramente um aumento da autoconfiança.
Assim, toda a prática terapêutica tem por meta ajudar, facilitar, colaborar na tarefa, já desde sempre própria a cada indivíduo, de tornar-se o que se é. Rogers faz especificamente reflexões sobre a prática terapêutica, isto é, sobre a relação cliente-terapeuta e a do cliente consigo próprio. Há uma listagem das condições que devem ser preenchidas para uma terapia se fazer:
  1. que haja contato entre cliente e terapeuta;
  2. que o cliente esteja num estado de desacordo interno, vulnerabilidade ou ansiedade;
  3. que o terapeuta esteja em acordo interno, no mínimo durante a terapia, sobre o seu objeto de estudo;
  4. que o terapeuta experiencie sentimentos de consideração positiva incondicional a respeito do cliente;
  5. que o terapeuta experiencie sentimentos de compreensão empática da situação interna do cliente;
  6. que o cliente perceba que o terapeuta experiencia tanto sentimentos de consideração positiva incondicional como sentimentos de empatia.
Não queremos entrar em detalhes sobre tais reflexões. Apenas vemos a importância da noção de compreensão empática. Trata-se da necessidade de o terapeuta entrar na compreensão interna do cliente e sentir o que o cliente sente como se fosse aquele indivíduo. É necessário, então, que ele se situe de modo a sentir o que o indivíduo sente, com toda a carga de significatividade que o terapeuta dará a ela, sem contudo estar ali, concretamente na pessoa, podendo se distanciar quando quiser para ter o equilíbrio a fim de poder ajudar o cliente. O que é interessante nesse ponto de Rogers é a importância dada aos sentimentos - sentir o que o cliente sente é estar afinado não só com uma carga de emoções, mas com os significados e as percepções dele. Isso nos mostra o quão Rogers preza pela não-cisão entre raciocínio e sentimento, percepção e afeto, revelando, assim, que toda a possibilidade de experienciar a realidade estará permeada de sentimento.

 Por:
Joana Tolentino
Pós-graduanda e licencianda de Filosofia (UFRJ)
Paulo Mendes Taddei
Graduando da licenciatura de Filosofia (UFRJ)

Fonte : http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0046a.html

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